É comum que o jornalismo ou a comunicação em geral projetem uma pessoa imaginária que deve representar o limite mínimo de compreensão. Com esse personagem constituído, decorre que é ele que teríamos de ter em mente ao construir uma mensagem. Por exemplo, é famoso que para Wiliam Bonner o repórter tenha de introjetar em si Homer Simpson – ou seja, informar com a clareza e o apoio precisos para que mesmo o tolíssimo patriarca da família Simpson seja capaz de entender. Isso faz parte do beabá da profissão: um professor meu falava de escrever de modo que sua mãe entendesse. E isso aparece em vários outros meios, como o fórum “Explain me like I’m Five”, do Reddit (nesse caso, a figura do saber mínimo é a criança de cinco anos), que tem no título uma expressão disseminada na cultura americana.
Não há nada de errado nisso. Todo comunicador sabe que precisa falar ao maior número de pessoas possível, e que seu texto não deve ter barreiras ao entendimento. Guiar o leitor é um princípio justo, generoso e produtivo. Não ter em mente o que alguém pode precisar para compreender um texto, quais as informações de contexto ou referências ampliadas possam ser necessárias, não só boicota o próprio sentido de escrever (nesse campo de atuação) como quebra as relações entre leitor e veículo, entre leitor e autor. Contudo, parece haver algo mais em jogo.
Por mais positivo que sejam os cuidados orientados por eles, os personagens de pouco ou nulo conhecimento são tropos da ignorância (uso o termo com o sentido mais neutro de “quem ignora algo”), e isso implica que é assim que o público é visto: a priori, ignorantes. A priori, sem a capacidade de entender se não forem providos todos os recursos. Separados do conhecimento, a não ser se forem construídas pontes que só nós poderíamos construir. Aquela atenção aberta e criteriosa, tão potente, pode recair em arrogância e paternalismo, e o que potencializaria o contato termina por limitar o que se comunica.
Confiar no leitor – ou no telespectador (Bonner foi muitas vezes criticado pela comparação da sua audiência com Homer), ou no ouvinte, ou no público de uma forma geral – pode ser um caminho tão importante quanto o de conter a prepotência de jornalistas, escritores, redatores etc. Há valor em pressupor a inteligência, a vontade e a habilidade de aprender, a curiosidade, o gosto pelo desafio, o prazer do complexo. Confiar no público implica se interessar mais por ele, não tanto colocá-lo entre parenteses com o uso de um imagem generalista, e implica falar de igual para igual, de alguém com saber a outro alguém com saber, pela força do cruzamento de saberes. Enfim, isso libera também textos e outras mídias a mais sabor e altitude.
Pra variar, escrever a Lisa Simpson? Ou, pelo menos, também a ela.