Simon Raven e Martin Shuttleworth, da Paris Review, no abre da sua entrevista com o escritor Graham Greene, descrevem assim o seu entrevistado: “the man whom we had come to besiege” — o homem a que viemos fazer cerco. Essa metáfora bélica me soa uma definição forte e sutil para o ato de entrevistar. Os jornalistas rodeiam as suas fontes, cercam-lhe as saídas, invadem-nos; os entrevistados, do outro lado, são os que resistem, os que confiam em víveres armazenados, muralhas, armadilhas.
A imagem se adapta bem a alguns casos reais. Gay Talese, para escrever o perfil de Frank Sinatra, conversou com todos nos arredores dos muros, mas não conseguiu por os pés na cidadela. Hilda Hilst foi cercada inúmeras vezes por jornalistas e, a cada vez, parecia que lhes entregava uma personagem, seu império real nunca devassado. Variando de intensidade e adequação, podemos representar vários outros casos…
Isso ecoa uma metáfora um pouco diferente, expressa pelo seriado The Newsroom: “A maneira pela qual uma campanha política deve ser coberta: como um exame cruzado [inquirição da testemunha trazida pela parte adversária] em um tribunal”. A situação é também de acuamento. A entrevista nesses casos seria uma circunstância da qual não se poderia extrair certa hostilidade básica.
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É sintomático que a entrevista de Raven e Shuttleworth com Green não seja hostil nem consiga acuar o adversário. Em pelo menos dois momentos, os entrevistadores se dão conta de que não podem insistir:
(the telephone rang and when, after a brief conversation, Greene came back to his long low seat between the electric fires and topped up the glasses, the conversation was not resumed, for the point, we thought, if not implied, was difficult for him to discuss.)
Os repórteres notam que algo era “difícil de discutir” ao escritor, e param. Outra:
(The telephone rang. Mr. Greene smiled in a faint deprecatory way as if to signify he’d said all he wished to say, picked up the instrument and spoke into it.)
O sorriso do escritor lhes diz que o que disse até então seria tudo o que diria. O entrevistado ergue de repente muralhas mais altas, que desesperam qualquer cerco, e os exércitos jornalísticos debandam.
Só resta a eles observá-lo falar ao telefone:
Hello? Hello Peter! How is Andrea? Oh, it’s the other Peter. How is Maria? No, I can’t do it this evening. I’ve got Mario Soldati on my hands—we’re doing a film in Italy this summer. I’m co-producing. How about Sunday? Battersea? Oh, they’re not open? Well, then, we’ll go to my pleasant little Negro night club round the corner …
Mas talvez possamos manter a metáfora, somente que em cada caso variarão as intensidades e adequações.
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Curiosidade: quando entrevistei o cineasta Arthur Omar para o programa Rumos Cinema e Vídeo 2009-2011, ele também atendeu uma chamada em meio à entrevista — e insistiu que fosse deixada na edição. Deixamos.
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