Interessante ver como diferentes concepções de como abordar um assunto geram matérias diferentes que acabam sendo boas para seu objetivo só que insuficientes se se considera o quadro maior. Comparando as matérias “Grupo de físicos com brasileiros captura átomo de antimatéria” (no impresso, aqui), da Folha, e “Cientistas conseguem criar e armazenar átomos de antimatéria pela primeira vez“, do Estadão, a gente aprende alguma coisa sobre jornalismo científico. Logo pelos títulos dá pra ler as intenções.
Neste post, eu falei sobre o título problemático de uma matéria da Folha, dentro do jornalismo científico. Nesse caso atual, há problema similar: a minha primeira impressão frente a chamada foi a de pensar que esses “átomos de antimatéria” existiam, eram de difícil alcance e os pesquisadores desenvolveram um método para aprisioná-los. Não é isso. Os cientistas, na verdade, criam essas partículas e, então, tem a chance de mantê-las, o que é evidente na chamada do Estadão. Só que a situação aqui é menos de imprecisão e mais de opção de abordagem.
Achar o habitual no complexo
Evidentemente, o jornalista da Folha escolheu destacar a presença de pesquisadores brasileiros na equipe. É um modo de atrair o interesse de um leitor eventual para um assunto distante; teve o valor de encontrar o habitual para seu público-alvo. Na segunda matéria, essa participação nem é citada. Outras qualidades da primeira são explicar o processo de criação e ‘captura’ através de um infográfico e expor o assunto em uma linguagem bastante simples, com uns toques coloquiais, até.
A matéria do Estadão é tão clara quanto, e tenta trazer o tema para o cotidiano de uma outra forma. No pé da matéria, ficamos sabendo que “a produção e estabilização de antimatéria é ponto de partida” de Anjos e Demônios, do escritor de best-sellers Dan Brown. Como há no autor pretensões de espalhar verdades escondidas por imensas conspirações, destacar o desmentido do instituto de pesquisa tem seu valor.
No texto, também temos acesso a detalhes inexistentes na matéria da Folha (talvez pela tentativa de ser mais popular). Esse processo de criação de antimatéria é, por exemplo, algo comum: “essa característica é usada na tecnologia médica, onde a chamada tomografia PET se vale da desintegração de pósitrons para gerar os sinais que são captados pelo equipamento de imagem“.
Esclarecer procedimentos técnicos
No que se refere a como os cientistas mantém essa antimatéria existindo, a Folha deu mais atenção à “armadilha eletromagnética” e o Estadão ao resfriamento intenso que desacelera as partículas. No primeiro texto, só sabemos de passagem, no infográfico, que houve mudança de temperatura, ao mesmo tempo que se demonstra a importância e se simplifica os campos de magnetismo. No segundo, esses campos são só citados, mas sabemos a temperatura exata a que os átomos são levados.
A temperatura dos antiátomos formados foi de 0,5º K, ou meio grau acima do zero absoluto. O vácuo do espaço, entre as estrelas, tem uma temperatura de 2,7º K.
Nesse trecho, uma leitora encontrou um erro: “Não são °K e sim somente K (Kelvin), é uma escala absoluta“. Erro pequeno que prejudica a reportagem toda; já havia um leitor dizendo que “é uma vergonha que uma garota novinha tenha que ensinar como os jornalistas deveriam escrever um artigo científico. Nota 0 pro Estadão”.
E daí?
Mas a matéria da Folha vence de longe quando destaca qual a utilidade da descoberta, seus desenvolvimentos futuros, o “e daí?” da notícia.
“A ideia, agora, é estudar os antiátomos em busca de pistas sobre propriedades fundamentais das partículas. No futuro, grandes quantidades de antimatéria também poderiam servir como supercombustível. E o grupo espera usar os antiátomos para investigar como a gravidade age sobre a antimatéria. Especula-se que essas partículas possam reagir à gravitação como uma força repulsiva, em vez de atrativa.”
Nem sombra disso no Estadão.
No fim das contas
Que matéria você acha que se saiu melhor?
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