O economista Paul Krugman, no New York Times, se questionou – fazendo uso dos conceitos de nexo e de externalidades (ou efeitos) de rede – se o ex-Twitter, hoje X, está próximo de perder o fôlego.
Nexo, Krugman descreve como “um local, real ou virtual, aonde as pessoas vão porque esperam encontrar lá pessoas com quem querem interagir”. Para efeitos de rede, ele se refere a um estudo de outros economistas, S. J. Liebowitz e Stephen E. Margolis, que explica:
Externalidades de rede são definidas como a mudança no benefício ou no excedente que um agente deriva de um bem quando o número de outros agentes que consomem o mesmo tipo de bem se altera. […] Isso permite, em princípio, que o valor extraído pelos consumidores pode ser separado em duas partes distintas. Um componente, que em nossos escritos foi rotulado valor de autarquia, é o valor gerado pelo produto mesmo se não há outros usuários. O segundo componente, que nós chamamos de valor de sincronização, é o valor adicional que se retira da capacidade de interagir com outros usuários do produto, e esse último é a essência dos efeitos de rede.
O articulista do New York Times aponta duas formas de nexo: centros financeiros (Londres, Nova York) e as moedas (o dólar), para colocar a pergunta do que é preciso para destruir uma entidade desse tipo: “Os nexos são altamente persistentes, entretanto, a sua durabilidade não é ilimitada”. A partir do que se passou após a compra da plataforma por Elon Musk, ele propõe a suspeita de que o Twitter/X esteja a ponto de mostrar o que é necessário para essa destruição. Sem dourar o passarinho azul, Krugman descreve uma decadência:
Entre a sua fundação em 2006 e a aquisição por Musk no último ano, o Twitter se tornou um importante espaço público, um lugar onde pessoas que sabiam algo sobre um tema podiam compartilhar o seu conhecimento. Como muitos dos meus colegas jornalistas e acadêmicos, eu usava o Twitter para estar em dia com acontecimentos novos e interessantes. O Twitter era especialmente importante como fonte de links, tanto para reportagens sérias quanto para pesquisa inéditas.
Eu não quero romantizar o Twitter pré-Musk. Sempre houve um monte de desinformação e comportamento antissocial no site. […] Aina assim, usado cuidadosamente, o Twitter era muito útil, especialmente quando grandes eventos estavam se desdobrando.
Sob Musk, no entanto, a experiência se tornou consistentemente pior.
Ele elenca a comercialização de selos de verificado, o apagamento dos títulos de material noticioso compartilhados e o incentivo a discursos negacionistas e de ódio na plataforma como exemplos dessa piora. Com isso, produtores de conteúdo de qualidade têm se transferido a (ou passado a duplicar seu material em) outras plataformas como Threads ou Blue Sky. Krugman não apresenta muito mais evidência do que isso – será wishful thinking? Seja como for, os conceitos que mobilizou seguem interessantes para pensar as mídias sociais.
Parece já evidente como as ideias de nexo e de efeitos de rede se aplicam, não só ao Twitter/X, mas a qualquer rede social: essas plataformas só podem visar a se constituir como nexos, e a condição fundamental para que funcionem são os efeitos de rede; pode-se mesmo supor que as redes sociais não possuem qualquer valor de autarquia (ou que seja mínimo). Redes sociais como o Google+ falharam em se constituírem como nexos, apresentaram um reduzido ou nulo valor de sincronização. O Threads, lançado por Mark Zuckenberg, procurou se catapultar a essa condição fazendo valer sua ligação com o Instagram: teve alcance nos primeiros dias e sua sorte ainda está para se decidir.
O Twitter se mantém com esse status, quem sabe mesmo por uma inércia dos efeitos de rede após terem sido firmados. As críticas a Musk, o desagrado com a degradação da experiência na plataforma, tudo isso ainda se expressa no próprio Twitter. O valor de sincronização parece poder ser mantido mesmo em um ambiente desagradável, na medida em que é dado simplesmente pela presença de todos. Isso aparece no texto de Krugman quando ele fala de gente que publica em mais de uma rede o seu conteúdo: não conseguem sair do Twitter.
Talvez nenhum desses movimentos, nem os verificados e trolls que se alimentam de polêmicas, nem a tentativa de fazer com que materiais informativos passem batidos, nem a permissividade com fake news e extremismos, talvez nada disso seja a gota d’água. A questão proposta por Krugman – o que pode destruir esse nexo? –, frente a isso, parece precisar atentar a mais camadas. Uma delas: a corrosão interna pode não bastar para a destruição do nexo porque há um custo de transição à outra rede (custo que individualmente pode ser alto de mais: por exemplo, migrar, sozinho, ao Blue Sky ou Mastodont, e não ter ninguém para interagir…). Outra: mesmo tendo decaído, o nexo mantém a memória do que foi capaz e, assim, apresenta um potencial. Como destruir uma memória, como destruir um potencial?
Esses dois elementos que acrescento querem mostrar que, se em um primeiro momento o usuário foi atraído pela rede, e nisso resguardava uma liberdade, após ter se entranhado no uso, ter investido seu tempo, cultivado suas relações, construído o hábito, agora ele está atado a ela, e sua liberdade é menor. Quem sabe venha daí a sensação que me passa o texto de Krugman de ser mais a expressão de um desejo que uma análise: sem ser capaz de simplesmente abandonar a rede de Musk, é preciso sonhar que o seu fim se anuncia, é iminente.
“Seremos livres novamente!”, o artigo diria então. Mas suspeito de que os nexos só morrem sem estrépito. Enquanto espreitamos sua queda, não estão para cair. O Google+, ninguém deu por sua falta, morreu sem um pio. O Twitter, trocaram seu nome, e ainda pia.
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