Destaco um perfil da filósofa Martha Nussbaum, escrito por Rachel Aviv para a New Yorker (a piauí traduziu). A perfilada põe em questão o quanto a jornalista se pautou para o trabalho — como é de costume, experiências adversas com coberturas jornalísticas marcavam sua atitude:
No momento, Martha Nussbaum está às voltas com um livro sobre o envelhecimento. Ao consultá-la sobre a possibilidade de escrever um perfil sobre ela, comuniquei-lhe minha intenção de fazer do novo livro o fio condutor da matéria. Cética, ela respondeu por e-mail que sua carreira era longa e variada, e acrescentou: “Você considerou os vários aspectos da minha trajetória? Tem um plano a seguir?” Menos de uma hora depois de eu lhe ter enviado a resposta, ela insistiu: “Você tem um plano? Gostaria de ouvir sua opinião sobre os prós e os contras de diferentes abordagens.”
A filósofa desconfiava da minha capacidade de abarcar a totalidade de sua obra, que trata de disciplinas diversas: direitos dos animais, emoções no direito penal, política da Índia, pessoas com necessidades especiais, intolerância religiosa, liberalismo político, o papel das humanidades na academia, assédio sexual, transferência transnacional de riqueza. “Seu desafio seria oferecer aos leitores um panorama da obra que fosse esclarecedor”, escreveu. “Sem um plano, vai ficar uma coisa fragmentada.” A seguir, mencionou três entrevistas em que sua dedicação ao ensino e aos alunos não havia sido contemplada. Numa delas, fora retratada como “uma pessoa que despreza as contribuições dos outros”, “um dos maiores insultos” que alguém poderia lhe dirigir.
Para além do que possam nos dizer a respeito de como fazer uma reportagem, esses parágrafos funcionam em vários níveis no perfil: em primeiro lugar, reforçam algo que havia aparecido em um trecho anterior:
Sua autodisciplina inspirou o conto “My ex, the moral philosopher” [Minha ex, a filósofa da moral], de Richard Stern, catedrático da Universidade de Chicago, morto em 2013. O conto descreve a contradição entre o “hino em louvor à espontaneidade e a natureza da filósofa, a pessoa menos espontânea que conheço – antes, a mais obstinada, nervosa e mesmo fanaticamente não espontânea”.
Ou seja, dá mostras de uma tentativa de controle que pode ser contraditória com as ideias da autora (não acho que sejam). Em segundo lugar, os parágrafos cumprem o que lhes é pedido apenas por descreverem o pedido: adiante, Aviv não tratará dos livros ou tentará dar uma visão panorâmica da obra de Nussbaum.
Submete-se à entrevistada sem se submeter. Dá o que ela quer, mas demonstra, pelo todo, que buscava algo diferente. Será que discutiu os prós e contras dessa abordagem?
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