Que história, para além da notícia, conta na página de jornal a foto de um criminoso morto? O olhar do quadrinista Jordan Bolton parte de uma dessas imagens, encontra a infância latente do homem no chão; sob o tecido branco dos legistas, vê a criança que teve um momento de atenção e que carregou desde então um aprendizado. Daí, o artista salta para o que a vida podia ser e não foi.
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Leia abaixo a tradução:
“Para a pessoa no jornal
Desde que meu sobrinho nasceu, não sou capaz de ver um bandido sem pensar na criança que ele foi, não posso evitar olhar nos seus olhos nas fotos oficiais, imaginar o atirador vestido com um macacão, ou o criminoso de guerra em um cadeirão, e quando eu vi a sua foto nesta manhã, abaixo da manchete, ‘LÍDER DE GANGUE, 25, MORTO A TIROS POR ASSASSINOS EM UM CARRO”, o que se destacou para mim não foi o formato do seu corpo sob o pano branco, mas o fato de que o seu sapato estava aparecendo, com os cadarços amarrados, e eu não pude evitar pensar em como alguém deve ter se sentado com você, demonstrado como sobrepor os laços, cruzá-los e apertá-los, e você deve ter copiado o que viu, tentado de novo e de novo e de novo, até acertar. Em outra vida, você nunca entrou em uma gangue, você encontrou amizade por meio dos esportes ou por meio da música ou por meio do teatro. Em outra vida, você terminou os estudos, conseguiu um trabalho que ama, nunca tocou em uma arma, nunca machucou nem quis machucar ninguém. Em outra vida, você está vivo nesta manhã, preparando-se para o dia de hoje, prestes a vestir os seus sapatos, prestes a amarrar os cadarços, prestes a sair de casa, sem se preocupar com os carros que passam, graciosamente ignorante da tragédia que evitou.”
Ver no fato mais do que o fato – ou vislumbrar no fato a sua fibra – alimenta tanto a arte, como é o caso dessa tira de Bolton – quanto o bom jornalismo. Podemos lembrar nesse sentido um caso semelhante: Truman Capote extraiu a inspiração para A Sangue Frio de uma pequena matéria no New York Times, nota que só informava sobre o assassinato recente de uma família e sobre a investigação em curso. As histórias das vítimas e dos matadores, o ambiente em que se desdobrou a tragédia, o antes e o depois do fato – isso tudo Capote descortinou.
Leia outras histórias de Jordan Bolton – sempre marcadas pelo garimpo de narrativas silenciosas – no Tumblr ou no Instagram.
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