– Que você sente quando entra no estúdio, no primeiro dia da criação de uma nova coreografia?
– Sinto um mal-estar tremendo, uma dor no estômago, como se tivesse comido alguma coisa que não me fez bem.
Esse diálogo faz parte de uma entrevista de março de 1998, quando, buscando pistas para a elaboração de bases de dados inédidas sobre coreógrafos, dentro da Rede Stagium, conversava com Décio Otero. (…)
De um golpe só, a conversa mudou de cor e sentido.
Ouvir essa frase fez-me pensar num estado “em arte e em pesquisa” que é aquele que faz as pessoas estarem doentes de uma folia, como diria Chico Buarque na letra da canção O que Será? (À Flor da Pele).
Esquecida da entrevista, parei para ouvir o diferente e despropositado da declaração e, desconfiada, pensei na quantidade de coisas que não estaria deixando de ouvir dos artistas cujas obras investigara.
Informações preciosas, à espera que se lhes fosse imprimida uma energia qualquer de desvendamento, um escamar de pele, a abertura de uma cortina de tule.
Que mais não estaria escutando, que mais não se impusera, em sua força de mundo, a meus radares de pesquisadora-leitora de objetos de estudo?
Lembra algo sobre o qual já escrevemos, a capacidade de se maravilhar.